ÁREAS DE INTERESSE: DIREITO, HISTÓRIA , FILOSOFIA (BIOÉTICA) E POLÍTICA.

sábado, 27 de junho de 2015

Caríssimos leitores.
Decidi alimentar o blog com artigos que venho escrevendo e que tem sido publicados em revistas e jornais impressos (inclusive online).
Começo por um que foi publicado em 28 de outubro de 2014, no início das minhas atividades como articulista, em um dos jornais mais respeitáveis da nossa cidade.



A LUTA MILENAR EM PROL DA VERDADE

Desde os primórdios da humanidade a verdade é uma incógnita, motivo pelo qual, aproveito este momento inaugural na condição de articulista do Jornal O Diário, para tratar desse tema.
Para os antigos helênicos a conceituação filosófica da verdade foi objeto de divergência entre distintos grupos de filósofos, como os clássicos, os sofistas, os cínicos, os estoicos e outros, tendo sido a busca do que seria a verdade um dos cardinais motivos do crescimento no campo do pensamento.
Os clássicos e os sofistas travaram uma cardinal guerra intelectual a respeito do que seria a verdade.
Para os Sofistas a expressão da verdade se traduz no que afirmou Marcondes em sua magnífica obra Iniciação à História da Filosofia – dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2001: “Tipicamente, em uma discussão na assembleia ninguém detinha a verdade em um sentido completo e absoluto, simplesmente porque isso não seria possível; mas todos tinham suas razões, seus interesses, seus objetivos, procurando defendê-los da melhor forma possível”.
Sócrates, o pai dos clássicos, e ferrenho opositor aos ideais sofistas, defendia a necessidade de uma verdade única e utilizava o método maiêutico para chegar a essa verdade, fazendo com que seus discípulos encontrassem suas próprias verdades.
Na visão de Platão, principal discípulo de Sócrates e também inimigo figadal dos sofistas, a noção de verdade era bastante diferente, tendo ele afirmado: “A filosofia não deve apenas dizer e afirmar, mas preocupar-se em chegar à verdade, à certeza, à clareza, através da razão”.
Já em nosso tempo o jornalista angolano J. Eduardo Agualusa, consolidou através de um personagem de um de seus romances algo que considero bastante instigante e que me deixa ainda mais interessando nesse meu (nosso) dilema: “A grande diferença entre as ditaduras e as democracias está em que no primeiro sistema existe apenas uma verdade imposta pelo poder, ao passo que nos países livres cada pessoa tem o direito de defender a sua própria versão dos acontecimentos. A verdade é uma superstição”.
Outra passagem literária que julgo fantástica foi garimpada por mim na obra do polêmico Morris West, A Estrada Sinuosa, em uma discussão entre o personagem Richard Ashlei, jornalista americano e George Arlequim, na qual este profere as seguintes palavras: “A verdade, meu caro Ashlei, é um luxo permitido àqueles que não sofrem as suas consequências”. Prossegue o referido personagem: “Para que arriscar a vida e criar um caso de consciência em nome da verdade? Será a verdade justificativa suficiente para arriscar a vida? Será uma revolução mais importante do que uma hora passada na praia com uma bela moça? A verdade? Uma dedicação sagrada, mas um serviço mal agradecido. Justiça? Uma deusa cega cuja balança nunca se equilibra perfeitamente. Orgulho? Ambição? Vaidade? Tudo isso tem importância num homem, mas não se explica”.
Mesmo diante desses posicionamentos filosóficos e literários, desabafos dos autores, ou mesmo ficção produzida por eles, ainda nos resta o desafiante dilema. O que é a verdade?

Para citar esse texto:
A LUTA MILENAR EM PROL DA VERDADE - O Diário, 28 outubro de 2014, (BARROS JUNIOR, E. M.)





Um comentário:

Aprendiz de Carpinteiro disse...

Penso que o a persecução da verdade seja uma necessidade genética, que justifica a manutenção e sobrevivência (e consequente descendência em prole) das mutações no sentido da evolução intelectual que deu azo ao homo sapiens. A busca instintiva do homem primitivo por estratagemas de sobrevivência tais como o conhecimento formal sobre ervas que não continham venenos mortais, artefatos que oferecessem defesa contra predadores - vez que o homem é desprovido de garras, couraça ou outro artifício evolutivo de defesa – serviu como busca de uma verdade, a da lógica da preservação da espécie. O mundo não está completamente explicado e a necessidade de retroagir no tempo e explorar os mecanismos mesmos de seu funcionamento são razão bastante crível para supor que a própria sobrevivência humana através de eras adversas se deu pela sua desenvolvida capacidade de identificar as verdades do mundo tal como se apresenta, a sua busca é uma engenharia reversa. Da análise textual, nos atemos à verdade dos fatos, mas se e experiência em si é verossimilmente individual, tanto o é a experiência do fato. Tal que as verdades são plurais tal como são plurais as experiências individuais dos envolvidos na análise fática. Talvez o que se ponha em decomposição seja o fato e não a verdade, visto que a verdade universal tenha o poder de recluir-se apenas a fenômenos extrahumanos, como em leis que regem o comportamento matemático dos corpos celestes e consequentemente dos corpos terrestres. Sem contudo olvidarmos a busca da verdade quântica, a que não se encaixa na verdade gravitacional ou da relatividade geral. O que se pode deduzir com algum nível de convicção é que a persecução da verdade e a curiosidade que ensejou a ciência moderna é o motor vital da nossa espécie, supondo-se ser esta ainda uma forma inacabada da evolução, a compreensão da verdade avançará à mesma medida que ampliarmos nosso horizonte de percepção. A verdade exige coisa definitiva. Crença, absolutez, destino. O conceito do ceticismo não permite o esteio em uma verdade imutável e eterna e talvez o questionamento da universalidade da verdade seja nele mesmo o instrumento da aproximação da mente humana da verdade eternamente fluida, etérea e irresoluta.