Decidi alimentar o blog com artigos que venho escrevendo e que tem sido publicados em revistas e jornais impressos (inclusive online).
Começo por um que foi publicado em 28 de outubro de 2014, no início das minhas atividades como articulista, em um dos jornais mais respeitáveis da nossa cidade.
A
LUTA MILENAR EM PROL DA VERDADE
Desde os primórdios da humanidade a verdade é uma
incógnita, motivo pelo qual, aproveito este momento inaugural na condição de
articulista do Jornal O Diário, para tratar desse tema.
Para os antigos helênicos a conceituação
filosófica da verdade foi objeto de divergência entre distintos grupos de
filósofos, como os clássicos, os sofistas, os cínicos, os estoicos e outros,
tendo sido a busca do que seria a verdade um dos cardinais motivos do
crescimento no campo do pensamento.
Os
clássicos e os sofistas travaram uma cardinal guerra intelectual a respeito do
que seria a verdade.
Para
os Sofistas a expressão da verdade se traduz no que afirmou Marcondes em sua
magnífica obra Iniciação à História da Filosofia – dos pré-socráticos a
Wittgenstein. 2001: “Tipicamente, em uma discussão na assembleia ninguém
detinha a verdade em um sentido completo e absoluto, simplesmente porque isso
não seria possível; mas todos tinham suas razões, seus interesses, seus
objetivos, procurando defendê-los da melhor forma possível”.
Sócrates,
o pai dos clássicos, e ferrenho opositor aos ideais sofistas, defendia a
necessidade de uma verdade única e utilizava o método maiêutico para chegar a
essa verdade, fazendo com que seus discípulos encontrassem suas próprias
verdades.
Na
visão de Platão, principal discípulo de Sócrates e também inimigo figadal dos
sofistas, a noção de verdade era bastante diferente, tendo ele afirmado: “A
filosofia não deve apenas dizer e afirmar, mas preocupar-se em chegar à
verdade, à certeza, à clareza, através da razão”.
Já
em nosso tempo o jornalista angolano
J.
Eduardo Agualusa, consolidou através de um personagem de um de seus romances
algo que considero bastante instigante e que me deixa ainda mais interessando
nesse meu (nosso) dilema: “A grande diferença entre as ditaduras e as
democracias está em que no primeiro sistema existe apenas uma verdade imposta
pelo poder, ao passo que nos países livres cada pessoa tem o direito de
defender a sua própria versão dos acontecimentos. A verdade é uma superstição”.
Outra
passagem literária que julgo fantástica foi garimpada por mim na obra do
polêmico Morris West, A Estrada
Sinuosa, em uma discussão entre o personagem Richard Ashlei, jornalista
americano e George Arlequim, na qual este profere as seguintes palavras: “A
verdade, meu caro Ashlei, é um luxo permitido àqueles que não sofrem as suas
consequências”. Prossegue o referido personagem: “Para que arriscar a vida e
criar um caso de consciência em nome da verdade? Será a verdade justificativa
suficiente para arriscar a vida? Será uma revolução mais importante do que uma
hora passada na praia com uma bela moça? A verdade? Uma dedicação sagrada, mas
um serviço mal agradecido. Justiça? Uma deusa cega cuja balança nunca se
equilibra perfeitamente. Orgulho? Ambição? Vaidade? Tudo isso tem importância
num homem, mas não se explica”.
Mesmo
diante desses posicionamentos filosóficos e literários, desabafos dos autores,
ou mesmo ficção produzida por eles, ainda nos resta o desafiante dilema. O que
é a verdade?
Para citar esse texto:
A LUTA MILENAR EM PROL DA VERDADE - O Diário, 28 outubro de 2014, (BARROS JUNIOR, E. M.)
Um comentário:
Penso que o a persecução da verdade seja uma necessidade genética, que justifica a manutenção e sobrevivência (e consequente descendência em prole) das mutações no sentido da evolução intelectual que deu azo ao homo sapiens. A busca instintiva do homem primitivo por estratagemas de sobrevivência tais como o conhecimento formal sobre ervas que não continham venenos mortais, artefatos que oferecessem defesa contra predadores - vez que o homem é desprovido de garras, couraça ou outro artifício evolutivo de defesa – serviu como busca de uma verdade, a da lógica da preservação da espécie. O mundo não está completamente explicado e a necessidade de retroagir no tempo e explorar os mecanismos mesmos de seu funcionamento são razão bastante crível para supor que a própria sobrevivência humana através de eras adversas se deu pela sua desenvolvida capacidade de identificar as verdades do mundo tal como se apresenta, a sua busca é uma engenharia reversa. Da análise textual, nos atemos à verdade dos fatos, mas se e experiência em si é verossimilmente individual, tanto o é a experiência do fato. Tal que as verdades são plurais tal como são plurais as experiências individuais dos envolvidos na análise fática. Talvez o que se ponha em decomposição seja o fato e não a verdade, visto que a verdade universal tenha o poder de recluir-se apenas a fenômenos extrahumanos, como em leis que regem o comportamento matemático dos corpos celestes e consequentemente dos corpos terrestres. Sem contudo olvidarmos a busca da verdade quântica, a que não se encaixa na verdade gravitacional ou da relatividade geral. O que se pode deduzir com algum nível de convicção é que a persecução da verdade e a curiosidade que ensejou a ciência moderna é o motor vital da nossa espécie, supondo-se ser esta ainda uma forma inacabada da evolução, a compreensão da verdade avançará à mesma medida que ampliarmos nosso horizonte de percepção. A verdade exige coisa definitiva. Crença, absolutez, destino. O conceito do ceticismo não permite o esteio em uma verdade imutável e eterna e talvez o questionamento da universalidade da verdade seja nele mesmo o instrumento da aproximação da mente humana da verdade eternamente fluida, etérea e irresoluta.
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